Novas indicações nas Agências Reguladoras Federais
Mapeamento – 2024/2025
Por Maria Letícia Wendt*
As Agências Reguladoras
Em razão da dimensão territorial do país e da gestão complexa de suas regiões, instituições autônomas e tecnicamente capacitadas são essenciais para setores estratégicos. Nesse sentido, as agências reguladoras foram criadas com esse propósito: estabelecer diretrizes, fiscalizar o cumprimento de normas e coordenar setores de forma eficiente em escala nacional.
Dessa forma, as agências exercem papel crucial ao garantir eficiência na prestação de serviços públicos e na condução de atividades econômicas com alta complexidade técnica. Além disso, elas também asseguram segurança jurídica, qualidade dos serviços públicos e previsibilidade para investimentos. Isso é especialmente relevante em setores como energia, transportes, saúde e comunicações.
O processo político das indicações
Segundo a Constituição Federal, cabe ao Senado apreciar as indicações feitas pelo Executivo para as diretorias e presidências das agências. Inicialemnte, o processo começa com a leitura da mensagem presidencial de cada indicação no Plenário. Depois, segue para análise da comissão temática correspondente, onde o indicado é sabatinado. Posteriormente, após a sabatina, o nome é votado na comissão e, em seguida, submetido ao Plenário. É importante desacar que a aprovação depende da maioria absoluta dos votos, em votação secreta.
Atualmente, o Brasil conta com onze agências reguladoras: Agência Nacional de Águas (ANA); de Aviação Civil (ANAC); do Cinema (Ancine); de Energia Elétrica (ANEEL); de Mineração (ANM); do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP); de Saúde Suplementar (ANS); de Telecomunicações (Anatel); de Transportes Aquaviários (ANTAQ); de Transportes Terrestres (ANTT); de Vigilância Sanitária (Anvisa). E em todas elas, a ocupação de cargos de direção envolve influência política e partidária.
O cenário atual das indicações
Entre 2024 e 2025 o governo realizou 18 indicações para diretorias e presidências de agências reguladoras. Atualmente mais da metade das 60 cadeiras estão vagas ou ocupadas por substitutos e alguns desses cargos estão vagos desde 2023. Diante desse cenário, o desafio do Planalto está em negociar os nomes em bloco, e não individualmente, com o Senado Federal. O presidente do Senado, Davi Alcolumbre, anunciou que as indicações para agências reguladoras serão votadas em plenário entre 11 e 15 de agosto.
Os indicados em 2024/2025
ANP e Anvisa
A Agência Nacional de Petróleo (ANP), uma das mais estratégicas do país, terá dois novos nomes indicados. Para o cargo de diretor-geral, o escolhido é Artur Watt Neto, advogado com especialização em direito do petróleo. Embora tenha formação técnica adequada, seu vínculo familiar direto com o senador Otto Alencar (PSD/BA) reforça o caráter personalista da indicação. Otto, por sua vez, é um dos líderes do PSD no Senado e uma figura-chave na base de sustentação do governo, o que demonstra que, mesmo em cargos de alta complexidade técnica, a escolha passa pela lógica de fidelidade política.
Além disso, para a segunda vaga, foi indicado Pietro Sampaio Mendes, atual secretário de Petróleo e Gás no Ministério de Minas e Energia. Com doutorado na área, Pietro combina uma trajetória técnica sólida com apadrinhamento duplo: Alexandre Silveira (ministro de Minas e Energia) e o senador Laércio Oliveira (PP/SE). A presença de dois padrinhos com força no setor energético indica o esforço do governo em controlar a agência.
Enquanto isso, na Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), que ganhou visibilidade durante a pandemia, a disputa por cargos reflete o peso político da agência. O novo diretor-presidente indicado foi Leandro Safatle, economista com mestrado em saúde coletiva. Embora tecnicamente compatível, sua indicação só se viabilizou após intensa disputa entre a ex-ministra da Saúde, Nísia Trindade, e o ministro-chefe da Secretaria de Relações Institucionais, Alexandre Padilha (PT/SP), que acabou garantindo o nome no cargo. Ademais, duas outras vagas foram preenchidas: Daniela Marreco Cerqueira, indicada por Davi Alcolumbre, e Diogo Penha Soares, nome proposto diretamente pela Presidência da República.
ANS, ANA, ANEEL e ANAC
Na Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), o nome de Wadih Damous revela a sobreposição entre relações pessoais e interesses econômicos. Ex-deputado federal do PT e advogado, Damous não tem trajetória na regulação da saúde. Sua indicação partiu do empresário Júnior Seripieri, dono da Qualicorp e amigo pessoal do presidente Lula. Trata-se, portanto, de uma nomeação que rompe com qualquer vestígio de critério técnico e aponta para uma captura privada da função pública.
Em contraste, na Agência Nacional de Águas (ANA), há três novos nomes com perfis distintos. Larissa Rêgo, apadrinhada por Alcolumbre e pelo ex-diretor da ANA, Vitor Saback. Por outro lado, os indicados Cristiane Battiston e Leonardo Góes Silva têm formação técnica e foram escolhidos sob influência do ministro Rui Costa (Casa Civil) e do senador Jaques Wagner, ambos próximos de Lula.
Na Agência Nacional de Energia Elétrica, (ANEEL), que regula um dos setores mais sensíveis à infraestrutura nacional, foram indicados dois nomes com formação técnica reconhecida. Gentil Nogueira de Sá Júnior, atual secretário nacional de energia elétrica, foi escolhido pelo ministro Alexandre Silveira – ator influente na coalizão governista e no setor. Já Willamy Frota, ex-presidente da Amazonas Energia, foi indicado pelo senador Eduardo Braga (MDB/AM), também com apoio de Alcolumbre.
No setor de aviação civil, a ANAC terá como novo diretor-presidente Tiago Faierstein, engenheiro da Infraero, com perfil administrativo, mas sem formação específica em aviação. Foi nomeado com apoio do ministro Silvio Costa Filho (Portos e Aeroportos) e do deputado Hugo Motta (Republicanos/PB), presidente da Câmara. Em contraste, Rui Mesquita, também indicado, é major-brigadeiro do ar e assessor pessoal do presidente Lula. Representando uma escolha com forte peso simbólico e confiança direta do chefe do Executivo.
Anatel, ANTT, ANM, Ancine e ANTAQ
A Anatel, agência responsável pela regulação das telecomunicações, contará com dois novos nomes, ambos sem formação direta na área. Octávio Pieranti, por exemplo, é um nome de confiança, mas com baixa tecnicidade — o que pode comprometer a independência da agência diante de temas como regulação das big techs e fake news. O segundo indicado, Edson Eugênio, é advogado com atuação jurídica na Telebras e foi apadrinhado por Alcolumbre e Juscelino Filho, ex-ministro das Comunicações.
No caso da ANTT, responsável pelo setor de transportes terrestres, terá como diretor-geral Guilherme Theo Sampaio, apadrinhado por Rodrigo Pacheco (PSD/MG). Na Agência Nacional de Mineração (ANM), o novo nome é José Fernando de Mendonça, ex-executivo da Vale. Ele foi apadrinhado por duas figuras centrais do MDB: Renan Calheiros e o governador do Pará, Helder Barbalho. Trata-se de uma nomeação que reforça os laços entre o capital privado e o núcleo político do MDB.
Quanto à Ancine, o nome de Patrícia Barcelos sinaliza uma retomada da agenda cultural petista. Jornalista com formação em educação, foi indicada pela deputada Maria do Rosário (PT/RS). Barcelos representa uma escolha programática voltada ao reposicionamento da cultura como área de políticas públicas.
Por fim, o presidente Lula (PT) indicou Frederico Dias para o cargo de diretor-geral da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ). O indicado substituirá Eduardo Nery, cujo mandato na direção-geral da ANTAQ encerrou em fevereiro. Dias é engenheiro civil, bacharel em direito e atualmente exerce a função de auditor federal de Controle Externo do TCU (Tribunal de Contas da União).
Considerações
A entrada de nomes fortemente vinculados a padrinhos políticos reforça o entendimento de que as agências passam por um processo de reconfiguração institucional. Isso pode, por sua vez, alterar prioridades regulatórias, rever marcos normativos ou promover interferências que afetem contratos vigentes e políticas de fiscalização de setores públicos e privados.
Em termos finais, os impactos concretos dessas nomeações ainda estão por se consolidar. As sabatinas no Senado, em agosto, e os primeiros atos das novas gestões serão os próximos pontos de atenção. Tais momentos trarão sinais mais claros sobre o nível de compromisso dos indicados com a missão institucional das agências. Além de sua disposição de exercer os cargos com responsabilidade técnica, transparência e foco no interesse público.